22 março 2009

#20 doença.crónica

tinhamos saido para aquilo a que chamámos ser um "café rápido".
ainda assim cada um tinha feito um esforço visivel para estar bonito ao olhar um do outro.. senão não me teria olhado ao espelho aí umas três vezes no minimo antes de sair de casa.. e aquele casaco cor de mel que eu nunca lhe vira vestido também não tinha saído à rua sequer.
mas depois de estar algum tempo no bar tornara-se complicado dar continuação á conversa naquele lugar tão cheio de pessoas, fumo.. e com tão pouco espaço para uma conversa mais.. confortável.

e se dessemos um saltinho até minha casa.. é aqui perto.. isto se não te importares de caminhares comigo até aqui ao fundo da rua.. subimos umas escadinhas, o apartamento é logo ali.
acedi com um sorriso.

durante o caminho falámos de coisas triviais.. dei por mim a mexer no cabelo durante o percurso.. creio que estava ansiosa, ou nervosa.. ou talvez ambas as coisas.
ele tinha as mãos nos bolsos, não deu para decifrar.
tens frio? se quiseres eu empresto-te o casaco, apesar de ser perto, não quero que fiques doente por minha causa.
não tem problema.. estou bem assim.. além disso o teu casaco fica-me enorme..
humm.. eu até achava piada vê-lo em ti.
depois dessa frase ficámos calados.
parámos junto a um portão verde. de lá de dentro surgiu primeiro uma pequena sombra que deu depois lugar a um focinho curioso.
que giro tens um cão? -- perguntei enquanto passava a mão pelo novelo de pêlo preto.
não é meu.. é do senhorio. mas passa muito tempo em minha casa.. não tenhas medo, ele é completamente inofensivo, só quer mimos e atenção.
um pouco como as pessoas não?-- levantei-me e olhámos um para o outro.
e então, subimos?
a casa tinha um aspecto que me agradou desde logo. a construção antiga, a rugosidade das paredes, a luz escassa nas das escadas de madeira e o soalho que rangia a cada passo debaixo dos nossos pés.
deu-me a impressão de ter ouvido o ressonar de um vizinho no caminho até ás aguas furtadas. não consegui conter o riso.. talvez por saber que não deviamos fazer muito barulho. ou então..
é aqui.. ele rodou as chaver na fechadura.. e depois do som metálico avançou sem acender qualquer luz..
segui-o.
o ar cheirava a.. julgo que era canela. o cheiro era-me agradavel.. não me questionei pela reduzida luz que nos fazia acompanhar.
aos poucos consegui distinguir as formas dos objectos que me rodeavam.. um sofá.. uma mesa baixinha com alguns livros empilhados.. nas paredes deveriam ser quadros, apesar de não conseguir ver as imagens. junto ao chão estava um colchão, deveria ser a cama..
ele estava junto a uma janela rasgada desde o tecto até ao chão..
anda cá.. quero que vejas isto..
segui-lhe a voz..
não é uma vista fantástica? só esta vista vale o preço da casa.
as luzes da rua.. dali avistava-se parte antiga da cidade.. e se focasse o olhar lá ao longe estava o negro do rio, onde se reflectiam as luzes e o reflexo da lua.
é bonita visão, não achas?.. -- senti os olhos dele perto..
sim é.. muito bonita mesmo. consegues ver o rio e tudo, és um privilegiado.
acho que deviamos sentar-nos aqui a conversar..
não acendas a luz então . -- respondi de imediato. não pensei bem no porquê de lhe ter dito aquilo.
vi-o sorrir.
ok.. é da maneira como não te apercebes da confusão em que tenho a casa.. então dá-me um segundo.. olha, vou puxar praqui um sofá e faço-te uma vista improvisada para a cidade. tomas algo?
humm.. tens um chá..?
claro.. eu arranjo-te. -- a voz dele soou atrás de mim -- dá-me o teu casaco, eu guardo-o ali..
as mãos dele passaram suavemente pelas minhas costas; levantei o cabelo para o ajudar a despir-me. as suas mãos tocaram-me levemente o pescoço, o que me causou logo um arrepio que julgo não ter conseguido disfarçar grandemente..
devias cortar o cabelo pela altura do teu pescoço.. -- disse ele num tom mais baixo do que o até então.
porquê? -- perguntei intrigada, levando as mãos aos caracóis..
porque acho o teu pescoço bonito..e assim via-o melhor.. -- depois riu-se e voltou a perguntar -- então.. queres um chá.. é isso? vou fazer. entrentanto fica à vontade, escolhe algo que queiras ouvir, põe ao calhas. os meus CD's estão aí nessa coluna à tua esquerda.
lá dei com o primeiro CD que apanhei .. o som da "Scatterheart" invadiu por momentos a sala.
muito bom! adoro essa música -- ouvi-o dizer lá ao longe.
continuei a olhar pela janela enquanto ouvia os sons que vinham da cozinha a misturarem-se com a musica.
sentia-me extremamente bem ali...

1 comentário:

Mokas disse...

realmente Isto é verdade...
Quem sabe escrever... sabe...
e Esta miuda Sabe!
Tu sim... devias pensar em editar um livro.
Beijo