15 março 2009

#19 doença.crónica

se quiseres posso ficar e ajudar-te a arrumar esta barafunda.. é melhor fazer isso agora senão amanhã acordas e dás com isto..
fora assim que acabara por ficar mais umas horas em tua casa. dei comigo na tua cozinha a partilhar o mesmo espaço que tu e a dar conta do quanto isso ainda continuava a ser-me estranhamente familiar. não nos olhámos muitas vezes durante o tempo que demorou a arrumar os restos do jantar.
estavamos ambos cansados e não falámos muito. ou pelo menos demos como desculpa o cansaço para não trocarmos muitas palavras.
foste até á janela da cozinha, fizeste deslizar o vidro e acendeste um cigarro.. bolas, como eu adoro a maneira como acendes um cigarro.. brincando com o lume do isqueiro e deixando discplicentemente o fumo sair da tua boca, fazendo contornos e desenhos de fumo no ar.
desviei o olhar e voltei a olhar para a espuma branca que se amontoava à minha volta.. a sensação da água e dos pratos e copos já lavados que se alinhavam à minha frente.
queres dar um bafo? -- diz a tua voz.. -- já aí vou deixa-me só terminar aqui isto..
hey, chega aqui agora, a louça pode sempre esperar.. ou tens pressa de ir a algum lado?
acedi e fui até á janela.
lá em baixo um casal estava sentado num banco de jardim, mesmo debaixo de uma velha arvore onde já estiveramos os dois numa tarde.
nesse momento a minha cabeça bloqueia qualquer pensamento de teor delico-doce e opto por me encostar melhor e observar o jardim, mas desta vez olhá-lo como se me fosse um sitio estranho, sem memórias.
um dia sei que farei o mesmo contigo, e tu comigo.. será?

já é tarde -- ouço-me dizer enquanto levo as mãos ao cabelo.
já tens de ir? -- quase que me pediste para não ir e ficar mais um pouco, mas sei que isso teria agora um peso que não poderia carregar.. um preço demasiado alto para ambos e no fundo, mesmo no fundo, nenhum faria muita questão de que isso acontecesse.
levantei-me, vesti o casaco, agarrei na mala, olhei para ti com o olhar das despedidas. deste-me um beijo na testa e abriste a porta. tens a certeza que vais bem assim?..
claro que sim, não te preocupes.
então adeus.. não é?
esbocei um sorriso ou qualquer coisa que se assemelhou a um sorriso. acho que agora já não saberias diferenciar um do outro.
desci as escadas o mais calmamente que consegui e ao chegar à rua suspirei tão profundamente como se tivesse acabado de correr uns bons metros.
desci a rua e apanhei um táxi rumo a casa.
para onde? -- a pergunta da praxe.
siga por aqui. -- encostei-me ao vidro e fui observando a rua a passar-me pelos olhos. como se fosse uma ultima vez. depressa chegaria a casa.. e esta sensação desapareceria de vez.
agarrei no telemovel, e dei comigo a olhar para o teu numero.. apaguei-o.
em que estarás a pensar neste momento?.. e agora?

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