#16 doença.crónica

abriste a porta do carro com um cuidado especial e disseste as palavras certas no momento exacto.
simples, claro, directo.
as palavras rasgaram esse teu sorriso algo malicioso, o que fez com que automaticamente no fundo da minha mente despertassem os pensamentos mais escondidos que tinha a teu respeito.
como não me apercebi de quanto tempo tinha ficado calada a pensar nestas conversas interiores, recostei-me o melhor possivel no banco e olhei pelo vidro..
a paisagem exterior passeava a mil á hora no meu cérebro.. já não conseguia distinguir grande coisa.. talvez devesse ter bebido menos e não estaria com esta sensação de zonzeira, mas.. se tivesse bebido mais talvez tivesse agora a coragem para fazer um movimento na tua direcção.
começo a mexer no cabelo.. dou umas quantas voltas pelos caracóis que se foram formando devido ao tempo meio humido da noite.
dou uma olhadela de soslaio.. os teus olhos estão a comer o alcatrão da estrada com uma sofreguidão tal que me inibe de te dizer seja o que seja.
respiro fundo qual uma criança impaciente.
páras no local do costume.. tento atrasar o momento da despedida e verifico mais de três vezes se a minha mala e as chaves de casa estão comigo.
dou-te um beijo no canto da tua boca. provo metade do teu lábio e metade da pele da tua bochecha.
não fechei os olhos, e a ultima imagem que tive tua foi a do teu olho direito demasiado perto do meu.. disfocado e a tua mão ao de leve no meu cabelo.

.. but with eyes shut, it's you i'm thinking of.
Eye to eye.. thigh to thigh.. i let go.

esperarei por ti outra vez quando me vieres buscar.
numa noite de outono.. como esta.
*