13 julho 2008

escrita criativa

o encontro tinha sido marcado num café não muito longe dali.
eu nunca lá tinha ido, mas medira a distancia e o tempo que levaria até lá chegar. não queria chegar nem muito cedo nem muito tarde.. não queria dar a impressão que estava ansiosa para o encontrar.
fiquei a observar de fora.. o café tinha um aspecto agradavel, depois de uma vista de olhos rápida dei com ele sentado na ultima mesa do canto perto da janela.
sentei-me silenciosamente á sua frente, amarrotando repetidas vezes o bilhete de metro que tinha utilizado para lá ir ter.
levantou os olhos do jornal que lia umas duas vezes. a primeira para me dizer para me sentar, e a segunda para me dar conta que o meu cabelo estava engraçadamente despenteado. despi o casaco que tinha e tentei ajeitar o cabelo, mesmo não me perguntando o porquê de tal gesto de esmero da minha parte.
enquanto o silencio se prolongava agarrei no pequeno cartão que estava pousado em cima da mesa e dediquei-me a escolher o que pedir.
lá fora começara a chover e entretanto o café ficara mais cheio de vozes e risos das pessoas que apressadamente se abrigaram ali.
entre nós, nem uma palavra. o jornal estava de facto deveras interessante ou ter-se-ia esquecido do que o levara a marcar encontro?
os meus pensamentos soltos foram interrompidos pela chegada de uma rapariga que simpaticamente nos abordou para pedir se podia tirar uma cadeira. eu acenei que sim e ele finalmente interrompeu a leitura.
pergunta-me se já escolhi o que quero. eu digo que sim, e um café surge na mesa passados poucos instantes.
volto a vestir o casaco.. gesto nitido de quem não se sente confortavel no sitio onde está. bolas! como detesto estes dias cinzentos a puxar chuva.. e este meu cabelo realmente valha-me deus.. deve estar mesmo ridiculo.. concluo ao ver o meu semi-reflexo no vidro da janela.
a voz dele como que a começar uma conversa leva-me a descer ao plano do diálogo e a esquecer por instantes os meus desvarios.
enquanto a colher desenha rápidos movimentos na chávena de café ouço-o a dizer qualquer coisa como um temos que falar.
temos que falar.. ninguém diz disto. ou se fala ou não.. simplesmente não se pede permissão para tal. e pronto, lá estava eu já perdida em pensamentos paralelos.
acho que não me mexi muito na cadeira; o café continuava na chavena á espera que eu o bebesse, mas simplesmente não o conseguia fazer. bebi-lhe as palavras.
derepente percebi que não sabia muito bem onde arrumar tanta informação. o meu disco rigido estava completamente cheio.. e o meu lixo emocional à espera de ser varrido definitivamente.
olhei em volta como que a avaliar o ambiente.. as mesas estavam agora todas ocupadas.. pessoas que gesticulavam e riam.. fiz um gesto qualquer no ar como que a dizer volto já e dirigi-me ao lado oposto da sala, junto á maquina de tabaco. tirei uns trocos de dentro dos bolsos das jeans, e juntamento com um papelucho amachucado lá tinha o dinheiro para comprar um maço.
já tinha desistido de fumar à umas boas semanas mas naquele momento algo me fazia desejar por um cigarro.. apetecia-me, simplesmente.
sem mais justificações dei meia volta e voltei á mesa. acendi rapidamente um. isso iria manter-me ocupada, evitar de falar cedo de mais e distrair-me-ia sempre que precisasse de fugir á parte chata da conversa.
incrivel as voltas que dou sobre mim mesma para evitar o embate.
o facto do café possivelmente jà estar mais que frio preocupou-o mais do que a mim. apeteceu-me ser ironica e mandar-lhe uma resposta á cara do tipo.. é para condizer com o ambiente, enquanto faria a minha melhor cara de cabra e lhe lançaria umas baforadas de fumo, mesmo à cena de cinema.
mas ao invés disso concordei e apressei-me a bebe-lo, ainda que mais que frio.
enquanto ele tomava embalo para desenrolar o tal novelo de conversa que agora via que tão cuidadosamente tinha planeado, entreti-me a olhar para a mesa do lado onde estava a tal rapariga que pedira uma cadeira.. achei que estaria possivelmente a ouvir a conversa e apeteceu-me dizer para falarmos noutro sitio que não ali, mas deixei-o continuar.
literalmente estava-me nas tintas para as consequencias que dali adviriam.
estava-me nas tintas para o esforço que ele tinha feito para pôr tudo em cima da mesa.. pensando bem, acho que há muito que já me estava nas tintas para tudo o que o incluisse.
apeteceu-me agradecer-lhe o golpe final, mas não lhe quis facilitar a vida. deixei-o terminar o que viera fazer.
no final duas lágrimas gordas teimaram em descer-me pela cara levando consigo o lápis preto que tão cuidadosamente tinha posto antes de sair de casa, não querendo justificar-me o porquê de tal gesto de cuidado.
tinham acabado de desenhar na minha cara duas linhas ridiculas que rapidamente me apressei a apagar com os dedos..
levantei-me e sai porta fora.. lancei o cigarro à rua, e esqueci.

"out on the corner the angels say, there is a better life for someday" -- Neil Young

3 comentários:

Anónimo disse...

aquecimento para o curso? :) *

Vera Isabel disse...

nice. real nice, babe. a-hum. (^^)d

Lobo disse...

Este foi o texto que mais me chamou a atenção. Onde consegui imaginar todos os gestos e, até o desconforto.
Gostei mesmo muito.

Beijocas.