21 junho 2009

a rapariga do vestido roxo

ele está há já uma boa meia hora sentado num café.. espera ansiosamente que ela chegue.
"novamente atrasada" -- resmunga entredentes enquanto o empregado lhe estende o menu.
levanta novamente a cabeça, observa o movimento das ruas através da janela.. e vê-a finalmente a atravessar a rua.
traz um vestido roxo, o qual jurara já se ter desfeito, mas que acabava sempre por ir buscar ao armário, todos os anos. ela agia assim com quase tudo, e fora precisamente esse pormenor que o atraiu quando a conheceu.
a mesma roupa que usava e tornava a usar, a pilha de sapatos que amontoava sem os usar, o sem número de lingerie preta que ocupava todas as gavetas da cómoda, aquela canção que entoava quase todas as manhãs quando acordava mais bem disposta.. tudo fazia agora parte da vida á qual se sentia alheio, e que pensava abandonar, algures entre o prato principal e a sobremesa.
dá-se conta da incongruência do local que escolhera para a deixar; fora precisamente ali que se apercebera pela primeira vez que já não a amava.
quando ela lhe sorriu esteve prestes a gritar-lhe:
"vou deixar-te! pára de sorrir assim para mim!!"
mas limitou-se a perguntar-lhe se ela já sabia o que ia pedir.
agitou o guardanapo nervosamente enquanto remoía um sem numero de pensamentos.. outra coisa que o irritava profundamente é que ela quase nunca pedia sobremesa, mas comia as suas quase todas.

e o pior de tudo é que ele acabava sempre por pedir o que ela gostava.
"já nem sei se gosto de profiteroles" -- pensou ele gravemente enquanto dobrava e desdobrava a toalha.
quando ela se pôs a chorar como ele nunca a tinha visto antes, o seu pensamento foi automaticamente interrompido.. e o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi que ela sabia que ele ia deixá-la.
"pronto! ela já sabe. ela sabe-o faz tempo.. eu devia ter desconfiado".
ela continuava no outro lado da mesa a soluçar. parecia estar a acalmar-se. levou as mãos á mala e tirou um maço de folhas que lhe estendeu.

ele agarrou-as, não sem antes notar o quanto ela tremia.
repentinamente o motivo daquela refeição desvaneceu-se por completo no seu espirito.
"deves estar à altura das circunstâncias.. -- diz-lhe a voz dentro da sua cabeça --
tens de saber estar á altura das circunstâncias!"
e foi o que fez.
primeiro encomendou três doses de profiteroles..
rodeou-a das atenções que ela sempre reclamara.
leu-lhe em voz alta "Sputnik, my love" de Murakami.
dançou com ela numa sala sem musica de fundo.
deu-lhe tudo..
mesmo as coisas mais insignificantes tinham agora um sabor diferente, sabendo ele que seria a ultima vez que as poderia fazer com ela.
de tanto se comportar como um homem apaixonado transformou-se de novo num homem apaixonado.

e quando ela finalmente partiu, ele caiu num coma emocional do qual nunca mais recuperou.

ainda hoje o seu coração se aperta sempre que vê uma rapariga com um vestido roxo.

1 comentário:

Vera Isabel disse...

puseste gente a chorar por causa de profiteroles.
os profiteroles não mereciam!