12 janeiro 2012

"sobre a dor, aquele sentimento primário"

foto by Elena Kalis


Com menos de uma semana de vida, o médico afirmou categórico: “ela vai morrer”.
Eu estava com a boca azul, cabia na palma da mão e tinha uma infecção no ouvido.
Era Julho, era inverno, estava frio e meu corpo não estava resistindo. Nos dias que seguiram o fúnebre anúncio tomei 21 injeções espalhadas por todo o meu minúsculo corpo. Era isso, e ponto – disse o médico.
Tudo o que eu sabia era chorar. A existência, ao invés de ser um lugar doce e acolhedor, se revelou, para mim, salgado e húmido – e escorria pelo meu rosto o tempo todo.
Obviamente, não me lembro. Mas, é certo de que doeu.
Talvez eu tenha experimentado a dor cedo demais, e por mais que não me lembre dela, ela estava lá, cravada em mim, em todos os sentidos. Na pele, na incapacidade de mamar no seio da minha mãe, na falha ao sorrir no colo do meu pai. Eu não tinha forças para nada. E eu nem sabia o que aquilo significava.
Mas, então, em dia incerto da minha segunda semana de vida fui dormir chorando, e acordei sorrindo.
Eu gostaria de lembrar a sensação do alívio. Gostaria de lembrar desse meu primeiro sorriso.
O médico, depois de agradecer a Deus, disse que eu só consegui sobreviver porque eu era muito forte.
E eu estava preparada para a vida. E se isto for verdade, eu espero sempre ter essa mesma força que me fez lutar por ela, todos os minutos daqueles infaustos dias.
Dizem que a experiência fica guardada no âmago de nossa consciência, independente se lembramos dela ou não. Como acontece com recém-nascidos, como nos acidentes, como nas mentes desavisadas que deixam a memória escorrer pelo tempo, para nunca mais voltar.
Detritos de sentimentos primários. Nada além, nem aquém.
Um dia ouvi que a dor pode definir muito mais uma pessoa do que qualquer outro sentimento. Eu nunca vou entender isso.
Já pensei que precisava entender o significado de um caminho para passar por ele.
Não poderia estar mais errada.
(Rejane Borges) in obvious

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