26 novembro 2006

Apaga a luz e acende a noite..

de profundis amamus

Ontem às onze
fumaste um cigarro
encontrei-te sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus estavam perdidos
por natureza própria


Andámos
dez quilómetros a pé
ninguém nos viu passar
excepto claro os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto pelos porteiros


Olha como só tu sabes olhar
a rua
os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal
abracem-me os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo

decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes muito
nós só temos a ver
com o presente perfeito

corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso

Mário Cesariny (1923-2006)

um adeus, eterno poeta...

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