16 outubro 2009

vermelho sangue

levou as mãos atrás da cabeça em direcção à mesa e agarrou o copo de àgua.
sem abrir os olhos levou-o à boca e bebeu-o de um trago.
é o saber exactamente onde estão as coisas que lhe dá agora uma (falsa) sensação de segurança.
depois continuou deitada na cama com o copo na mão e uma sensação de vazio.
com a outra mão passou-a ao longo do colchão, alisando o lençol.. fez este gesto umas quantas vezes até se cansar e aceitar a ideia de que tinha de se levantar.
não estava mais ninguém em casa.. assim parecia.
por instantes a ideia agradou-lhe, mas depois a solidão começou a invadi-la e já não a entusiasmava não sentir a presença de outro alguém.
mas tentou fazer de conta que isso não a incomodava mais do que gostaria.
dizem que é tudo uma questão de hábito não é? -- falou olhando para o gato preto que se enroscava aos seu pés.
deu meia volta pela casa.. o estalar das escadas de madeira fizeram-na rodar a cabeça naquela na direcção e ficar à espera.. não tardou muito até escutar umas pancadas fortes na porta.
foi-se aproximando e.. do outro lado da porta estava..
num gesto levou as mãos á boca e permaneceu estática á espera que tudo terminasse.
a hemorragia ainda não estancara pelos vistos.
tanto tempo de enganos para agora dar nisto.. o pensamento foi quebrado pela sensação de calor que a invadia.. parecia brotar directamente do peito.
num impulso leva a mão ao peito e quando a vê está completamente vermelha..
estranhamente deixa-se ficar a olhar para ela.. vermelho vivo.. quente.. e continua a sair.. escorria já até ao chão.
não entendia o que se passava.. não conseguia pensar.
deixa-se deslizar pela porta e senta-se no chão ainda a olhar para..
ao longe ouve o gato miar aflitivamente.
parece-lhe que o som está cada vez mais longe.. mais longe..
do outro lado da porta ouve uma voz conhecida. o simples tom é o suficiente para fazer abrir mil gavetas dos baus que julgava já estarem mais que trancados e atirados para o mais fundo de si.
deita-se no chão.. sente duas lágrimas gordas deslizarem pela cara.. deslizam quentes pelo rosto.. uma sensação de calor que a invade para logo depois dar lugar a um frio que lhe chega em arrepios, como ondas.
fecha os olhos..
deixa-se ir.

quando os abre está de novo deitada na cama.
levanta-se bruscamente e num gesto rápido afasta a camisola e leva a mão ao peito.
nada.. está tudo normal.. apenas o coração bate mais acelerado, mas logo depois a certeza que está tudo bem.
passa as mãos pelos cabelos, despenteia a franja e volta a deitar-se sem fechar os olhos..
sorri.. e depois ri-se.
ri-se alto.. o som do riso ecoa pelas paredes do quarto como que a dizer o quão tola fora.
foi apenas um sonho, bolas.. foi apenas um sonho.. -- repete enquanto esfrega as pernas nos lençóis.
o som de uma pancada surda na porta obriga-a a levantar..
vai descalça até á porta.
pelo caminho quase que tropeça no gato que estava deitado na madeira do chão a apanhar já a luz do dia..
bolas misty, que susto!! mas que raio de mania a tua!! -- refila..
encosta-se á porta e espreita a ver quem é.
o coração começa de novo a bater-lhe disparado no peito, mas desta vez sabe que não é apenas momentaneamente.. aliás, tem a certeza que tão depressa não parará.
abre a porta. sei que estás aí.. já ouvi a tua voz. não vais andar a adiar mais isto pois não?
passa as duas mãos na cara e deixa-as descer pelo peito arrastando consigo aquela mancha.
quente de novo.. vermelho.. vivo.
começara tudo de novo.
desta vez não era um sonho.
a confusão.. a confusão..
a ultima coisa que se lembra foi de ir começando a cair.. cair até estar já no chão.
antes de fechar os olhos podia garantir que a porta se abria devagar.


Ben Harper - Please Bleed

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