Cristalizações

Lembro-me do dia em que te vi, do momento em que olháste para mim.. recordo o instante em que vi em ti mais do que uma pessoa que se conhece, que se reencontra.
Dali agora parece ter passado uma vida.. e nesse passar do tempo parece ter-me perdido sem me ter dado conta.
Lembro-me como se fosse hoje do dia em que passivamente te vi partir, sem te dar a demonstrar o quanto a tua partida me feria.. mas por orgulho não te deixei ver-me sangrar.
Quem tem de partir acaba sempre por ir embora e não importa o que digamos..
Quis guardar toda a dor para mim mesma.. e refugiei-me em lembranças doces por uns tempos.. momentos que me fizeram companhia quando tudo o que tinha desse teu lado era silêncio e vazio..
Porque te dizias confuso.. triste.. e eu limitei-me a ter pena de ti e anulei o que sentia.. e não me quis ouvir.
Ignorei os meus batimentos cardíacos de raiva por não poder gritar.. por não ter qualquer direito de te gritar aos ouvidos o quão foste egoísta e me deixaste da mesma maneira como se deixa uma criança à qual não são dadas quaisquer explicações e se faz crer que tudo foi culpa dela.. «porque foste uma má menina».
Mas esse discurso não se me serve.. inventem-se novos argumentos, arranjem-se novas emoções.. custou mas à muito que a minha racionalidade superou a minha emotividade.. e acredita, não guardo qualquer rancor.
Foi um acordar repentino e olhar em volta para tudo aquilo que sempre esteve presente e todos aqueles que sempre estiveram presentes quando tu foste embora..
E no fundo, tudo está igual.. só tu é que partiste.
E sei que também não te queria aqui agora.
Nunca te vou agradecer as lágrimas que me fizeste chorar ao longo dum caminho sinuoso que tive de aprender a fazer sozinha..
Nunca me vais voltar a ouvir dizer todas as palavras que hoje são apenas isso: palavras que se disseram quando faziam sentido e escapavam da minha boca em momentos de impulsividade, de loucura.. de.. sim, de amor.
Deixei à muito entrar a luz que vai definitivamente invadir todos os espaços que ficaram às escuras desde a tua partida sem aviso.
Foste embora e simplesmente não quero chorar por alguém que preferiu partir sem explicações.. o que faria isso de mim? Não compactuo numa corrida contra o tempo e acima de tudo, numa corrida contra mim mesma.
A verdade é que sei que consigo ser melhor que isso, e o que mais me deixa triste é saber também que poderias ter feito tudo bem melhor.. ao invés de teres mantido ilusão e continuares que eu mantivesse os mesmos sorrisos e os mesmos gestos para contigo.
Se um dia por um acaso nos encontrarmos a única coisa que vais ver é um sorriso.. a única coisa que teremos em comum como uma ponte entre os nossos mundos serão apenas memórias.
Porque as memórias são apenas isso.. memórias.. servem para recordar algo que nos é agradável ou por vezes algo que nos entristeceu.
No nosso caso.. há o equilíbrio dos pratos da balança..
Mas vão existir sempre razões para sorrir.. por algo que pertence àquilo que se chama «passado».. por algo que se arriscou viver.


Sobre mim o céu é o tempo do mundo.
A lua somos nós, aquilo que fomos...
Tal como a memória, a lua existe nesta manhã para nos lembrar que existiram noites...
e que existiu uma noite em que nos separàmos.