09 janeiro 2006

Adeus

«Adeus...
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor...
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas...
Gastámos as mãos na força de as apertármos...
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tinhamos tanto para dar um ao outro... era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Ás vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos... era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos...
É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça àgua.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus

poema de Eugénio de Andrade

Sem comentários: